
A exigência da apresentação de Certidões Negativas de Débitos (CNDs) para empresas em recuperação judicial sempre gerou discussão nos tribunais. No entanto, as mudanças trazidas pela Lei 14.112/2020, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005), e pelas Leis 13.988/2020 e 14.375/2022 no campo tributário, consolidaram o entendimento de que a regularidade fiscal é um requisito indispensável para a concessão do processo recuperacional. Com isso, empresas em dificuldade ganharam a possibilidade de renegociar suas dívidas fiscais e, assim, acessar os benefícios da recuperação judicial de forma mais estruturada.
Durante anos, um dos principais entraves nos tribunais foi a exigência de regularidade fiscal para empresas declaradamente insolventes. Como poderiam comprovar situação fiscal regular sem qualquer possibilidade de renegociação diferenciada de seus débitos?
Na prática, empresas em crise priorizam o pagamento de fornecedores e credores financeiros, essenciais para a continuidade das operações, deixando a regularização fiscal em segundo plano. Isso dificultava a recuperação de créditos tributários pelo Estado e gerava litígios que, muitas vezes, terminavam sem solução efetiva.
Para solucionar essa lacuna, foi instituída a Lei 13.988/2020, que estabeleceu a possibilidade de transação tributária e dispôs sobre benefícios específicos para os créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. O artigo 11 da referida lei permitiu que empresas falidas ou em recuperação judicial fossem incluídas nesse grupo, viabilizando condições especiais para a regularização de seus tributos.
Antes dessas alterações, a exigência da CND tornava a recuperação judicial inviável para muitas empresas, já que suas dívidas fiscais costumavam ser elevadas e de difícil pagamento. Com a nova legislação, foi criado um mecanismo de negociação que possibilitou tanto a manutenção da atividade empresarial quanto a arrecadação de tributos pelo Estado.
A mudança de postura das autoridades fiscais ao permitir a negociação de débitos de empresas em recuperação judicial revelou-se um instrumento fundamental para garantir tanto a continuidade das atividades empresariais quanto o incremento da arrecadação tributária. A inclusão desses créditos como de difícil recuperação permitiu acordos vantajosos tanto para as empresas quanto para o Fisco, reduzindo a litigiosidade e ampliando a capacidade do Estado de recuperar recursos de maneira eficaz.
Resultados positivos
Entre 2020 e 2023, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recuperou mais de R$ 32 bilhões via transação tributária. Em 2023, foi fechado o maior acordo da história da PGFN com um grupo empresarial em recuperação judicial formado por 41 empresas, cuja dívida ativa com a União era de R$ 13 bilhões. Com descontos em juros e multas, foram recuperados R$ 4 bilhões de um crédito anteriormente considerado irrecuperável.
Em 2024, o governo federal bateu recorde de arrecadação, recuperando R$ 49 bilhões e projetando atingir R$ 90 bilhões em 2025. Esses resultados confirmam a eficiência da estratégia de transação tributária, que possibilita a regularização de débitos sem inviabilizar as atividades empresariais.
A Lei 14.375/2022 ampliou os benefícios desse modelo, permitindo descontos maiores, prazos mais longos e novas formas de pagamento. Além disso, passou a incluir débitos ainda não inscritos na dívida ativa e isentou tributos sobre os descontos concedidos, favorecendo a adesão das empresas ao programa.
O sucesso desse novo modelo de renegociação pode ser observado na taxa de regularização fiscal das empresas em recuperação. Antes das mudanças, apenas 8% dessas empresas conseguiam regularizar seus débitos, enquanto a média geral era de 32%. Hoje, esse percentual ultrapassa 20%, demonstrando avanços significativos na negociação tributária em cenários de insolvência.
Com as novas regras que facilitam a regularização fiscal sem comprometer a arrecadação, o desafio agora está nas mãos do Judiciário: consolidar as diretrizes e garantir sua efetiva aplicação. O avanço na negociação tributária reduziu a litigiosidade e melhorou a relação entre Fisco e contribuintes, mas ainda há espaço para aprimoramentos.
Dessa forma, a transação tributária se consolida como um instrumento equilibrado, garantindo o cumprimento das obrigações fiscais sem inviabilizar a recuperação de empresas em crise, contribuindo para um ambiente econômico mais estável e propício ao desenvolvimento.