Por Natália Salça

Improrrogável adj. Que não admite prorrogação; que não se pode estender no tempo. Antôn.: prorrogável. Etim.: do lat. in- + prorrogável. Michaelis: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

No campo do Direito, a interpretação das normas exige o equilíbrio entre o conteúdo do texto legal e sua aplicação ao caso concreto. Enquanto a semântica nos auxilia na análise dos significados linguísticos, a hermenêutica jurídica contribui com métodos e princípios que orientam a aplicação das normas de forma sistemática, coerente e funcional.

Entretanto, há termos que não ensejam ambiguidades relevantes. A palavra “improrrogável”, por exemplo, possui sentido preciso: não admite prorrogação.

A aparente clareza linguística da norma ao expressamente vedar a extensão de prazo, no entanto, tem se mostrado insuficiente para conter a relativização dos prazos na Lei 11.101/2005, o que levanta questões quanto à manutenção da segurança jurídica e da coerência normativa.

O caso recente envolvendo o pedido de homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial apresentado pela TECHLUB, empresa do setor de lubrificantes automotivos, ilustra bem esse cenário. O processo tramita na 1ª Vara Regional Empresarial da Comarca de Campinas. Em abril de 2024, foi deferido o pedido de prorrogação do prazo de 90 dias previsto no artigo 163 da Lei 11.101/2005, para que a empresa apresentasse o quórum mínimo de adesão necessário à homologação do plano. A prorrogação foi de 20 dias, sob o fundamento de que havia tratativas em andamento com os credores e ausência de atos protelatórios por parte da devedora.

A decisão foi objeto de Agravo de Instrumento (autos n. 2233391-88.2024.8.26.0000), julgado pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. A argumentação contrária à decisão fundamentou-se na literalidade da norma, que qualifica o prazo como improrrogável. De outro lado, a recuperanda sustentou que, diante da iminência do atingimento do quórum e do andamento das tratativas, haveria espaço para flexibilização. Embora tenha sido concedido efeito suspensivo, o recurso foi desprovido no mérito, pois o Tribunal entendeu que, em caráter excepcional, o prazo poderia ser prorrogado.

Essa tensão entre o cumprimento estrito da norma e as soluções de conveniência prática podem, aos poucos, fragilizar o conteúdo normativo das disposições legais. A recorrente flexibilização de prazos ditos improrrogáveis pode comprometer a previsibilidade e fomentar debates infindáveis sobre a aplicação das normas. E aqui se impõe um paralelo com o que vimos ocorrer com o stay period.

Originalmente previsto como um prazo improrrogável de 180 dias para a suspensão das medidas expropriatórias contra a empresa em recuperação, o stay period acabou sendo gradualmente flexibilizado pela jurisprudência. Impulsionada por precedentes do STJ que admitiram a extensão do período de blindagem patrimonial, a Lei 14.112/2020 passou a prever expressamente a possibilidade de uma única prorrogação, por igual período.

Esse histórico do prazo de suspensão instiga a reflexão sobre a possibilidade de o prazo de 90 dias do artigo 163 seguir o mesmo caminho. Teríamos, mais uma vez, um prazo rígido na letra da Lei 11.101/2005, mas que, diante das circunstâncias práticas e das pressões do caso concreto, tenderá a ser relativizado pela jurisprudência?

De fato, é um desafio seguir a rigidez temporal em processos marcados por negociações complexas e realidades empresariais diversas. A preocupação central não é com o caso isolado, mas com o impacto sistêmico da prática reiterada. Ao se admitir exceções fora do texto legal, corre-se o risco de minar a força normativa da própria lei e, com isso, gerar insegurança tanto para empresas quanto para credores, que passam a atuar em um cenário menos claro e mais instável